terça-feira, 21 de julho de 2009

A Santa Lanca

A Santa Lança, um episódio das Cruzadas - Um novo profeta

O sítio de Jerusalém, ano de 1099
Barthélemy foi guindado informalmente à função de profeta. Tornou-se um dos conselheiros do conde Raimundo, a quem começou a inspirar. Sim, porque os santos, e até Cristo em pessoa, não paravam mais de falar com o homem. Em pouco tempo as rivalidades e disputas internas entre os cruzados passaram a ser arbitradas por aquele que mantinha um diálogo com o sobrenatural. A tensão entre franceses nortistas e sulistas dia-a-dia se agravava: a quem competia o comando da marcha final e qual roteiro deveria se seguir? Um capelão dos nortistas, chamado Arnulfo de Rohers, desconfiado daquela intimidade de Barthélemy com o mundo divino, deu início a uma aberta campanha contra o novo profeta. Um forte zunzum tomou conta dos acampamentos. Tudo, diziam os invejosos, não passava de encenação daquela gente sulista, pois ele, aquele pseudoprofeta, vinha da Provence, a mesma terra do conde Raimundo, a quem as visões sempre orientavam.

A prova do ordálio

Mouros contra cristãos
Aquela suspeita exasperou o iluminado. Se duvidassem dele, disse Barthélemy, que o submetessem a uma prova qualquer, ao julgamento de Deus que fosse. Imediatamente o clero, ciumento da ascendência que aquele pé-rapado sem eira nem beira exercia nas altas esferas, humanas e divinas, não hesitou em preparar-lhe um ordálio. Seria o teste definitivo. Que os carvões em chamas determinassem se ele falava a verdade ou não. Duas imensas pilhas de lenha foram colocadas lado a lado e incendiadas. Pierre Barthélemy abençoou-se e, vestido apenas com uma simplória túnica, lançou-se sobre o braseiro. O pobre saiu terrivelmente queimado; mesmo assim tentou retornar mas foi impedido por um espectador. Agonizou ainda por mais doze dias, quando então suspirou.
Para muitos, foi a constatação do seu charlatanismo, para outros, bem ao contrário, os restos cremados e enfumaçados do que vestia tornaram-se verdadeiras relíquias. Há, como é sabido, uma natural e humana inclinação em acreditar-se em tudo aquilo que é afirmado com energia e veemência, e esta nunca faltou ao fracassado visionário.
Uns tempos depois, em 1099, os cruzados chegaram a Jerusalém e afogaram-na num terrível banho de sangue que horrorizou para sempre os muçulmanos. Desde então, o ódio entre estes dois mundos, o Cristão e o do Islã, tem sido latente e irrefreável. É de pensar-se, por outro lado, que se não tivessem dado crédito às visões daquele embusteiro, Jerusalém não teria sido conquistada e as relações da Cristandade com o Islã não seriam tão passionais nem teriam acumulado tanto amargor neste tempo todo.

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